Professora Flavia Artese, antes de mais obrigado por nos conceder algum do seu tempo para uma breve entrevista.
Como breve apresentação, a Professora Flavia Artese licenciou-se em Odontologia em 1991 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde também fez o seu mestrado em 1994 seguido do seu doutoramento em 2002. Em 2006 obteve o diploma do Board Brasileiro de Ortodontia e oito anos mais tarde, tornou-se Presidente da Associação Brasileira de Ortodontia e Ortopedia Facial (ABOR) durante 2 mandatos. É igualmente membro titular da Academia Brasileira de Odontologia e membro da Angle Midwest Society. Paralelamente, continua a lecionar Ortodontia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde coordena o Curso de Pós-Graduação em Ortodontia. É Editora Emérita da Dental Press Journal of Orthodontics. Será Presidente do X International Orthodontic Congress (IOC) da World Federation of Orthodontist (WFO), em outubro de 2025, no Rio de Janeiro.
Na verdade, ambos meus pais são dentistas e confesso que foi uma tomada de decisão muito difícil e cheia de dúvidas. A presença tão próxima de dois profissionais bem-sucedidos na área de Odontologia, minha Mãe, Odontopediatra e meu Pai, Ortodontista me embaçavam o desejo próprio de ser dentista. Passei por inúmeras intenções de profissão, sendo elas o Direito, a Diplomacia e a Arquitetura. Minha Mãe, reconhecendo a minha dificuldade em decidir recorreu à orientação vocacional com uma psicóloga especializada. Passei um ano a fazer testes e entrevistas e os resultados apontavam para profissões da área de saúde com características assistencialistas. Foi nesse momento que percebi que tinha vocação para a Odontologia e não precisava temer estar apenas repetindo um modelo doméstico. A escolha pela Ortodontia também foi sofrida pelos mesmos motivos. Porém já tinha mais maturidade e consegui buscar minhas preferências. A idéia de trabalhar com crianças e jovens, em geral em campos mais saudáveis me atraia. Sempre tive boa noção de tridimensionalidade e proporções estéticas e a experiência de ter sido paciente de meu Pai também contou positivamente. Atualmente, com toda a minha trajetória profissional, tenho certeza de que a escolha foi acertada. Sou feliz com todos os aspetos de minha especialidade e transito com plenitude entre as atividades clínicas, acadêmicas e associativas que participo.
Sim voltaria a escolher a Ortodontia. A considero uma especialidade completa em que precisamos conhecer segmentos de muitas outras áreas, como a oclusão, a periodontia e a estética. A especialidade me preenche completamente e o prazer que tenho em finalizar meus casos com toda a minha dedicação, é imensurável. Costumo brincar com meus alunos dizendo que amo fazer sorrisos impecáveis e é isso que me alimenta, a descoberta que há sempre espaço para melhorar.
Meu vínculo com o Professor Nelson Mucha (ele detestava o José) vai muito além da relação Professor Aluno. O Prof. Mucha foi aluno de meu Pai e foi convidado a trabalhar no seu consultório assim que concluiu seu curso de Mestrado em Ortodontia. Nesta época eu era uma menina, com aproximadamente uns 12 anos. Nelson frequentou nossa vida familiar, tenho felizes memórias de caronas matinais até a escola, de festas e jantares, de suas longas conversas com meu Pai. Portanto, nosso convívio foi mais profundo que o acadêmico. Nelson tinha uma sensibilidade imensa, um olhar aguçado para o belo, e uma inteligência acima do normal. Associado a isso uma garra em vencer, que vi em poucos homens. Desistir não existia em seu vocabulário. Estimulou uma geração de Ortodontistas na busca pela excelência clínica, na obrigação de “que se o céu era o limite, porque não alcançar as estrelas”. E, dentre os inúmeros exemplos que me deu, esse é o mais forte. Na hora do desânimo me lembro das estrelas do Nelson e sigo em frente. Sigo com o compromisso de ensinar e executar uma Ortodontia de qualidade pela memória de ambos, meu Pai, Alderico e seu pupilo Nelson, ambos meus mestres e exemplos.
Foram realmente dois profissionais marcantes na minha formação, diria que fundamentais. Convivi com eles ainda muito jovem, nos primórdios de minha formação Ortodôntica. A Dra. Birte Melsen teve um papel imensurável, em ser o exemplo feminino. Em me mostrar que o fato de ser mulher não a impedia ou proibia de coisa alguma. Morei com ela por um período de 3 meses e a acompanhava em todas as suas atividades. Auxiliava nas pesquisas, no material de aulas e nas atividades domésticas. Ela é incansável, com a mente sempre a funcionar. Acabei absorvendo esse pensamento continuo, ininterrupto. Aprendi a aproveitar cada minuto do tempo, sem desperdícios. Ela também me abriu os olhos para a pesquisa científica e a importância de buscarmos nossas respostas na boa evidência.
Estudei com o Dr. Vincent Kokich como parte do meu Doutorado. Passei dois anos na Universidade de Washington como pesquisadora visitante. Nós dividíamos um escritório e passávamos dois dias por semana juntos. Também visitava seu consultório todas as quartas-feiras. Foi um aprendizado e tanto. Organização de tempo impecável, a mesma intensidade de Birte e de Nelson. Me olhava nos olhos e dizia, Flavia, tempo é questão de organização. E é de fato. Um clínico impecável, cuidava de seus pacientes com amor e esmero. Tinha uma excelente relação com seus colegas de faculdade e de outras especialidades e me mostrou como isso era importante. Sua didática era a melhor que já vi até hoje e muito me ensinou. Preparava os seminários comigo, me orientava na postura, nas pausas e até nas roupas. Foi um professor completo, que me acolheu, me olhava nos olhos e me impulsionava para acreditar em mim e me superar.
Portanto, se puder reunir o que ambos marcaram na minha vida foi o exemplo da doação que é o magistério. Ensinar é um ato de generosidade, onde o professor entrega tudo o que sabe, com o objetivo de formar um profissional. Tento fazer isso com meus alunos e com todos aqueles que tenho a oportunidade de ensinar. Olho nos olhos, seguro as mãos e ofereço tudo que aprendi ao longo desses anos.
Sim, recomendo a terapia da fala em todos os casos que utilizo aparelhos auxiliares para orientar a postura da língua. Geralmente esbarro em dois problemas, ou os pais não querem mais tratamento para as crianças, ou os fonoaudiólogos não aceitam fazer terapia da fala com aparelhos ortodônticos instalados. Com o tempo consegui reunir profissionais da fala para os quais referencio e trabalham em conjunto comigo. No entanto, raramente indico a terapia da fala isoladamente, e sim como um coadjuvante aos aparelhos para correção de hábito postural de língua.
No diagnóstico de uma posição baixa da língua, considera um freio lingual curto como fator etiológico e assim, consequentemente, a sua frenectomia?
Não possuímos evidências científicas que demonstrem a necessidade de frenectomia para a mudança na posição da língua. Portanto, nunca a inclui como um procedimento de rotina na minha clínica. Na Odontologia contemporânea existe um sobre tratamento de frenectomias em bebês, para auxiliar na amamentação que vem sendo muito discutido e que também não tem bases científicas.
Sim utilizo alinhadores ortodônticos para meus tratamentos. E esse será um dos temas abordados, demonstrando em que situações esses aparelhos são vantajosos para os problemas verticais e em quais situações apresentam mais desvantagens. Desta forma poderei auxiliar aos profissionais que assistirem à palestra a tomarem decisões clínicas com maior previsibilidade na correção das mordidas abertas e das sobremordidas exageradas com alinhadores ortodônticos.
Este talvez seja o maior desafio de minha carreira, presidir um congresso de porte mundial. A Associação Brasileira de Ortodontia e a World Federation of Orthodontists estão realizando um esforço conjunto para fazer deste evento um dos maiores da história da Ortodontia mundial. A grade científica ainda está sendo preparada e o único orador que temos definido é para a palestra honorária da WFO durante a cerimônia de abertura. Esta será proferida pelo Prof. Eustáquio Araújo. Teremos 14 salas simultâneas, com uma enorme variedade de temas. A língua oficial do congresso é o inglês, mas as salas principais terão tradução simultânea para o português. Temos uma expectativa de público de 5000 a 7000 participantes. As inscrições a preços promocionais estão abertas e podem ser acessadas no site do congresso (www.wfo2025rio.or). Temos também divulgado este congresso nas redes sociais da WFO. (@worldfederationoforthodontists) e da ABOR (@abornacional). Confiram!
As sociedades científicas de ortodontia terão participação importante durante o 10th IOC. A comissão científica em breve enviará uma solicitação de nomes para participação no World Village como conferencistas. Teremos também a reunião política do Conselho da WFO que é composta das sociedades nacionais de todo o mundo. Outras atividades também terão participação das sociedades como o Simpósio sobre o Ensino da Ortodontia no mundo, a reunião dos Boards mundiais e das revistas científicas de Ortodontia. Será um evento único e fará história. Contamos com o apoio da SPODF.
Por conta da minha origem familiar, na Itália, porém de preferência que não fosse no inverno.
Dom Casmurro de Machado de Assis. Uma das obras-primas da literatura brasileira, que deve ser lido algumas vezes ao longo da vida. As interpretações serão distintas. Apesar de que meu gênero literário preferido seja a poesia e amo Pessoa, Espanca, Mia Couto, Drummond, Leminsky e tantos outros. Leio uma poesia todos os dias. É praticamente a minha religião.
Adoro camarões preparados de qualquer maneira. Minha memória de infância nas praias paradisíacas do Rio de Janeiro.
Sociedade dos Poetas Mortos (dentre muitos outros, amo cinema)
Injustiça, qualquer tipo. Acabo tomando as dores do injustiçado.
Na minha casa. Viajo muito a dar palestras. Quase não tenho tempo em casa e assim acabo por valorizar o meu lar, meu escritório, minhas coisas, meu canto…
Professora Flavia Artese, muito obrigado pela sua colaboração e esperamos a ver em breve em Viana do Castelo.