Frenectomia lingual – o negócio escondido e os seus perigos
Tem sido alvo de alerta por todo o mundo, e Portugal não é exceção, com destaque para notícias publicadas no “New York Times” e no “Observador”.
Após um longo período de alimentação por aleitamento dos recém-nascidos e bebés devido essencialmente à massificação dos suplementos alimentares, a amamentação voltou a ser incentivada no final dos anos setenta. A amamentação, quando comparada com o aleitamento com biberão (mais fácil para o recém-nascido), exige uma aprendizagem e um esforço adicional da língua para extrair o leite através do mamilo, o que na vasta maioria dos casos ocorre naturalmente, e vai melhorando com o tempo sem necessidade de qualquer procedimento adicional.
Já em 2017 o estudo, “Ankyloglossia and Lingual Frenotomy: National Trends in Inpatient Diagnosis and Management in the United States, 1997-2012”, alertou para um aumento de 800% do diagnóstico da anquiloglossia e da frenectomia lingual.
As dificuldades iniciais da amamentação ligadas à diminuição da mobilidade da língua por restrições anatómicas como a de um freio curto, eram raramente identificadas e corrigidas.
Essa posição mudou radicalmente após a publicação do artigo “Congenital tongue-tie and its impact on breastfeeding”, por Elisabete Cossillos e Catherine W. Genna, publicado em janeiro de 2004 no American Academy of Pediatrics onde identificava as várias consequências resultantes de um freio curto da língua e do lábio. Desde então, um mercado envolvendo pediatras, cirurgiões, médicos dentistas e conselheiros de amamentação floresceu, em resposta a pais ansiosos com a amamentação dos seus bébés.
Da resolução de um problema diagnosticado para a prevenção de vários problemas futuros foi um passo. A disseminação através das redes sociais da necessidade de frenectomia lingual e labial, como método preventivo para uma experiência de amamentação mais eficiente para o recém-nascido e agradável para a Mãe, foi fulgurante. A frenectomia lingual resolvia uma miríade de problemas, entre os quais, a apneia de sono, problemas de dicção e a obstipação. A indústria de lasers cirúrgicos também se juntou ao movimento incentivando os dentistas a realizar o procedimento cirúrgico.
Já em 2017 o estudo, “Ankyloglossia and Lingual Frenotomy: National Trends in Inpatient Diagnosis and Management in the United States, 1997-2012”, alertou para um aumento de 800% do diagnóstico da anquiloglossia e da frenectomia lingual.
As complicações ligadas à frenectomia lingual são raras. Alguns casos reportados descrevem um quadro de dor e dificuldade na amamentação, levando à malnutrição e desidratação do recém-nascido, com consequente necessidade de internamento hospitalar em casos extremos.
Não obstante, este procedimento tornou-se um filão de ouro para alguns profissionais e para a indústria, gerando milhões de dólares anuais. Deste lado do Atlântico, a moda ainda não se instalou decisivamente. Em boa verdade, e até à data, não existe evidência científica que sustente esta prática como um método preventivo de uma amamentação mais eficiente.
Em 2020, um grupo de 16 otorrinolaringologistas norte-americanos alertaram para o sobrediagnóstico de anquiloses linguais e labiais e o excesso de frenectomias realizadas.
Para nós ortodontistas, o diagnóstico dos vários tipos de anquilose lingual deve ser adequadamente realizado e a necessidade da sua correção ponderada e discutida interdisciplinarmente. Por muito que a necessidade de uma frenectomia lingual num adolescente possa ser sustentada, quer ao nível da dicção quer a nível do crescimento craniofacial, com esta polémica em curso deveremos contar com uma maior desconfiança e resistência da parte dos pais dos nossos pacientes quando este procedimento for efetivamente necessário.