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MORDIDA ABERTA JANEIRO 2023

Entrevista Dr. Américo Ferraz

Para este primeiro número, o Presidente cessante da nossa Sociedade, honrou-nos aceitando estrear a secção da entrevista. O Dr. Américo Ferraz foi presidente da SPODF de 2008 a 2022, tendo completado quatro mandatos. Licenciou-se em Medicina Dentária em 1990, pós-graduou-se em Ortodontia e defendeu a sua tese de mestrado sempre na FMDUP. Foi-lhe atribuído o título de Especialista em Ortodontia em 2006.
É administrador e diretor clínico da LAclinic. Tem 2 filhos, um dos quais estomatologista. 

Vamos começar cronologicamente a fim de nos situar. O Dr. Américo é originário de Aveiro?

Vivo em Aveiro há muito anos, quase 30, mas a minha origem é na Meda, distrito da Guarda.

O que o motivou a escolher o curso de medicina dentária? Tinha algum familiar ou conhecido que já estava na área?

Sempre estudei para ser Médico. Só no último ano do secundário tive conhecimento da existência do curso de Medicina Dentária. Com ajuda de alguns atuais colegas que, entretanto, conheci, informei-me e achei que era uma boa opção. Em 1984, a Medicina estava a passar por uma fase de muitas incertezas, devido ao descontrolo que houve pós-revolução. Passados estes anos penso que essa escolha teve a ver com esse facto, com a possibilidade de maior autonomia e de não ter a obrigação de trabalho noturno. Eu pertenço ao curso 1984-90, e no meu ano, apenas eu e outro colega, tínhamos colocado a Medicina Dentária como primeira opção para o ingresso à Universidade, e na verdade também tinha classificação para entrar em Medicina. Na minha família mais próxima sou o primeiro com uma profissão ligada à saúde e aliás fui dos primeiros a ter um curso superior.

Que área da medicina dentária o entusiasmou?

Sempre foi a Ortodontia.

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“Sempre estudei para ser médico”

E o que o motivou a enveredar para a ortodontia?

Além da saúde, as áreas de Matemática e Engenharia também são do meu agrado. Com o tratamento ortodôntico temos a possibilidade mudar toda a estrutura e função do terço-médio da face. O especialista em Ortodontia é o arquiteto do sistema estomatognático, não é por acaso que que a Ortodontia é a área da Medicina Dentária que mais trabalhos publica.

Sentiu necessidade de se inscrever num curso de pós-graduação? É um compromisso forte para quem já estava casado, com filhos e com uma clínica dentária!

Fiz 8 anos de Medicina Dentária generalista com alguma Ortodontia, com o que aprendi na Faculdade e principalmente com uma formação que tive com os professores da Universidade de Nantes, além de outros pequenos cursos. A certa altura tive a consciência que não era o suficiente e além disso queria ser especialista. Com ajuda da minha família e principalmente com apoio incondicional da Lúcia, minha esposa, regressei à Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto (FMDUP), onde já me tinha licenciado. Foram 3 anos intensivos, com viagens diárias Aveiro-Porto, e continuei sempre a trabalhar no final do dia. De seguida ainda fiz Mestrado e o exame à especialidade. De notar que eu e mais 3 colegas fomos os primeiros a fazer a admissão à especialidade pelas regras semelhantes às existentes atualmente, até aí tinha havido o chamado processo especial inicial.

Faz um balanço positivo dessa aprendizagem?

Extremamente positivo. Tive a sorte de ter um corpo docente e um grupo de colegas (eramos 4) muito motivados, foram anos que recordo com saudade, não só do ponto de vista da aprendizagem mas também em termos sociais. E não posso deixar de estar sempre agradecido a todos. Digo sempre aos colegas, que iniciam o curso de pós-grado, que a sua qualidade depende muito de nós próprios enquanto alunos e não só dos professores.

Acha que a ortodontia evoluiu muito desde então?

A base da Ortodontia é o diagnóstico e diria que se manteve de uma forma geral. Temos é meios de diagnóstico mais sofisticados, de melhor qualidade e de fácil acesso como seja a radiologia 3D e o scanner intra-oral, que são muito importantes e podem dar-nos informações que podem mudar um plano de tratamento.

Do ponto vista técnico também houve evoluções importantes. Uma delas e quase que já nem nos lembramos dela, relaciona-se com a ultrapassada falta de fiabilidade da colagem. Atualmente, além da melhoria da qualidade dos brackets; a sua colagem já não é um problema. As descolagens são raríssimas e quando acontecem fazemos a sua reposição em pouco tempo, graças aos compósitos e aparelhos de luz ultra-rápidos, de que dispomos. Os arcos da TMA e termoelásticos foram outra grande evolução. Os chamados brackets ditos estéticos, que foram muito bem aceites, principalmente, pelos pacientes adultos. Os mini-implantes também nos trouxeram outras possibilidades terapêuticas. Mais recentemente temos os alinhadores.

Que ortodontistas o inspiraram, tanto os que com quem estudou como os com quem conviveu?

O responsável pela disciplina de Ortodontia, durante a minha licenciatura, era o Prof. Doutor Campos Neves, que despertou em mim a curiosidade pela Ortodontia. Recordo as aulas brilhantes do Prof. Doutor Carlos Silva, sobre o crescimento craniofacial, que foram preciosas para ajudar a compreender esse tema tão complexo.

Já nessa altura foram também meus assistentes nas aulas práticas os Professores Doutores Cristina Pollmann e Jorge Dias Lopes, e que mais tarde nos voltamos a encontrar no curso-pós-graduação, sempre disponíveis e cordiais para partilhar o seu conhecimento.

Fiz parte do IV Curso de Pós-graduação em Ortodontia da FMDUP, e o seu responsável era o Prof. Doutor Afonso Pinhão Ferreira. Que foi, sem dúvida, o ortodontista que mais marcou a minha formação, não só a especialidade, mas também, e não menos importante, na organização da minha atividade clínica. Foi e continua a ser um colega excecional, não só no conteúdo mas também como nos transmite a sua sabedoria, que vai muito para além da ortodontia.

A nível internacional, também, poderia mencionar vários nomes e muito dos quais já tive a oportunidade de os ouvir e alguns deles nas Reuniões da nossa Sociedade. Destaco apenas o meu favorito, o Prof. Doutor Vincent Kokich, que infelizmente faleceu prematuramente e mesmo assim nos deixou um legado inestimável. Tive a sorte de o ouvir em diversos locais, incluindo na Torre do Tombo em Lisboa, na Reunião da SPODF presidida pelo Prof. Doutor Luís Jardim.

As queixas principais dos pacientes que procuram tratamento ortodôntico são diferentes?

A estética dentária, de uma forma clara ou menos clara, é a principal queixa dos pacientes e tem-se mantido ao logo dos anos e na minha opinião vai manter-se.

O que acha da proliferação dos tratamentos com alinhadores?

São a novidade do momento, daqui a alguns anos e depois de deixarem as suas marcas a situação vai normalizar.

Os pacientes já nos procuram para fazer tratamentos ortodônticos especificamente com goteiras transparentes. Não acha que isso altera o nosso papel com profissionais de saúde?

Não, pelo contrário. O nosso papel também é de educar os pacientes que não têm culpa de serem continuamente bombardeados com informações distorcidas. O problema mais sério da nossa especialidade não são os alinhadores ou outros produtos que possam surgir para tratar os nossos pacientes. O problema maior, é o facto, dos fabricantes investirem quantias enormes de dinheiro em campanhas dos seus próprios produtos junto dos pacientes com o objetivo de os influenciar a usá-los, numa tentativa poderosa de substituir o conhecimento científico dos especialistas. O problema agudiza-se quando alguns médicos dentistas, especialistas ou não, ajudam nessas campanhas de marketing, como é evidente recebem frequentemente uma compensação económica e uma ilusão de um estrelato momentâneo, esquecendo, voluntária ou involuntariamente, que esta atitude é altamente prejudicial para o futuro da sua profissão.

Parafraseando Ronald Roth, o dia que a nossa profissão se tornar meramente cosmética a nossa especialidade será mortalmente ferida. Não lhe parece que nos aproximamos perigosamente dessa situação?

Sinceramente não. Temos de ser firmes, corajosos e unidos, ter sentido de equipa e visão de futuro. Os dentistas cosméticos e das redes sociais são efémeros, e esse caminho é autofágico! Os princípios da Ortodontia foram estabelecidos há mais de um século por Edward Angle e aprimorados por outros grandes Ortodontistas que lhe sucederam. A especialidade de Ortodontia fez 100 anos no EUA no ano 2000! Por vezes as tentações são grandes…mas temos de resistir. Aproveito a oportunidade para lançar um desafio aos colegas responsáveis pelos cursos de especialização e pedir para organizarem formações de atualização para os colegas já especialistas, reabrindo as portas da Universidade aos que a frequentaram há muitos anos atrás e colaborar com a Sociedade Científica. É um erro deixar que a fonte da atualização dos conhecimentos seja fundamentalmente oriunda de empresas organizadas com esse fim e muitas vezes, apenas com fins mercantilistas.

Tem um filho estomatologista que já trabalha consigo. É otimista quanto ao panorama futuro da medicina dentária e em particular da ortodontia para um jovem profissional?

O futuro da nossa profissão pode e tem de ser brilhante, depende da atitude pró-ativa de cada um de nós. O trabalho multidisciplinar é fundamental. Termos de nos inserir em equipas com as várias especialidades da medicina dentária e da medicina e, em alguns casos, como a fisioterapia e terapia da fala e eventualmente outras. Atualmente temos recursos humanos e materiais para proporcionar aos pacientes tratamentos de excelência.

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Mudando agora completamente de assunto e afastando-nos da sua prática clínica sabemos que uma das suas paixões é a produção de vinho. É uma tradição familiar ou algo que quis sempre fazer?

Antes de ser Médico Dentista já era agricultor! As minhas férias grandes sempre foram passadas a ajudar o meu Pai nos trabalhos da vinha e outros. Dos 3-4 meses de férias, que tínhamos, íamos uma semana para a praia! O meu bisavô foi vitivinicultor tal como os meus avós. O meu Pai multiplicou o que herdou. Eu e a Lúcia estamos apenas a tentar dar continuidade a um património que os nosso Pais nos deixaram e, se possível, valorizá-lo. O vinho é a face mais visível dessa nossa loucura, mas também temos amêndoa, azeite e o denominado alojamento local.

Terminando num registo mais pessoal, Dr. Américo: 

Tem um passatempo preferido, o que gosta ou gostaria mais de fazer nos seus tempos livres?

Ler, andar de bicicleta, andar no meio da natureza, viajar, ver um filme e estar com a família.

 

Tem algum clube preferido?

Sporting Clube Portugal

 

O seu prato preferido?

Tenho vários! De uma forma geral, cozinha tradicional portuguesa.

 

A viagem da sua vida, que fez ou está por fazer?

Viajar é uma das minhas paixões. Não sei se já fiz a viagem da minha vida, mas já tive a sorte de visitar muitos locais espetaculares e talvez, mais importante, em excelente companhia, da minha esposa, filhos e amigos. Os locais só têm valor com pessoas!

 

A Cidade que mais o marcou?

O Porto, e continua a marcar…sempre!

 

O seu livro preferido?

O livro preferido não é uma escolha estática, vai mudando ao longo da vida!

Adorei os livros de Cowboys de banda desenhada a preto branco, acho que foram os meus primeiros livros favoritos! Gosto muito de banda desenhada.

Mais tarde foi a coleção de “Os Cinco” da Enid Blyton.

Tinha 14 anos e adorei ler “Os Maias” e durante muitos anos foi, sem dúvida, o meu livro favorito. De seguida devo ter lido, praticamente, toda a obra de Eça de Queirós.

Mais tarde descobri José Saramago e Augustina Bessa-Luís, só recentemente li os “Cem anos de Solidão” …

 

O filme que o marcou ou que não se cansa de rever?

Um dos filmes mais marcantes foi “Era uma vez na América”, vi-o pela primeira vez, no Porto na, já inexistente, sala do cinema do Pedro Cem.

Mas, um dos filmes que não me canso de rever é a “Musica no Coração”.

Muito obrigado, Dr. Américo Ferraz, pela sua colaboração, e estamos certos que a SPODF pode contar com a sua sabedoria nos longos anos vindouros. 

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